A cena se desenrola em Uptown, região elegante e descolada de New York City, marcada indelevelmente pela presença da lendária Columbia University na vizinhança. Nos estúdios da não menos famosa rádio da emissora, quatro músicos veteranos de divertem a valer, como crianças, ao executar suas canções ao vivo. Olhos brilhando, coração a mil. O som é puro rock'n'nroll, sem firulas, frescuras ou vistuosismos - tudo, enfim, que eles bem sabem fazer - afinal, estão juntos nas últimas duas décadas e meia. O pocket show é parte da passagem da Bandalheia pelo incensado programa do brasileiro Jasvan de Lima, produtor e radialista há décadas radicado nos EUA e espécie de lenda viva no dial da college radio. Há pouca gente ao redor, apenas os jovens técnicos de som, eles mesm os, alunos em Columbia, visivelmente empolgados por lidar, dessa vez, com uma banda de rock. O set acaba mas a energia permanece em alta no ar, pautando a entrevista que se segue com o apresentador.
Na verdade, tudo começou quatro dias antes. Melhor ainda: 25 anos atrás, em Urussanga, Santa Catarina. Desembarcar em Nova York para uma série de shows na Big Apple é - sem trocadilhos - a cereja do bolo da carreira da Bandalheia, quarteto liderado pelo frontman, guitarrista, compositor e vocalista Gera Fornasa, ladeado por Duda Trombim na guitarra, Marcos Birolo no baixo e Bicudo, segurando as baquetas. Justo prêmio por uma longa estrada dedicada ao rock'n'roll. O reconhecimento através do convite para integrar o cast do Brazilian Day 2012 (evento anual em NY que congrega toda a comunidade brazuca que vive nos EUA num domingo de shows, gastronomia, etc) encheu de orgulho os urussanguenses. Costura daqui, tricota dali, e lá está a Bandalheia desembarcando em NY. Difícil não notar: há uma leve tensão no ar. Afinal, trata-se do primeiro show internacional do grupo, e justamente na terra onde o r'n'r foi inventado! Te nsão criativa, diga-se, aquele friozinho na barriga que contribui para que na hora H o músico se solte e cresça no palco. Detalhe importante: a íntegra da passagem da Bandalheia em terras de Tio Sam está sendo registrada em audio e video.
Como a ciência do rock não é exata, a "hospedagem" do batera Jair de Ávila, o Bicudo durante três horas nas dependências da Imigração de Tio Sam em pleno aeroporto John Fitzgerald Kennedy é mais um exótico capítulo na biografia da Bandalheia. Com tudo resolvido com "la migra", uma limusine (sim, limusine, com direito a todos os mimos que um Axl Rose também receberia) conduz os rapazes ao coração de Manhattan. Ávidos por ação, uma das primeiras ações foi visitar a loja Sam Ash, histórico endereço de instrumentos musicais na rua 48, verdadeira Disneylância para quem é do ramo. Desnecessário dizer a empolgação dos rapazes ao escolher seus novos brinquedos (entre eles, uma Gibson cor vinho de dois braços, igualzinha à usada por Jimmi Page no auge do Led Zeppelin). Desnecessário também mencionar o orgulho com que os carregaram de volta ao hotel, cruzando "Abbey Roads" pra lá de famosas como a 5a. Avenida, a Madson e a Park Avenue. Só entã o "a ficha caiu": hey man, era a Bandalheia mandando ver em Nova York!
Nos dias seguintes que antecederam a grande apresentação, que ocorreria no domingo, 2 de setembro, Times Square, a lendária Ponte do Brooklyn e até o metrô da cidade (com sósias de Michael Jackson dançando nos vagões) testemunharam experiências únicas que certamente já fornecem farto combustível para as próximas etapas da carreira da banda. Inclua-se aí a visita ao Hard Rock Café, cuja matriz novaiorquina fascinou os catarinenes com sua memorabilia oficial de mega astros co mo Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones e muitos mais. No sábado, dia 1, durante a tradicional Lavagem da Rua 46 (o "abre" oficial do Brazilian Day, realizado no trecho ocupado bares e restaurantes de comida e temática brasileira), uma pequena amostra do que viria: descontraída, a Bandalheia repassou seu show no palco 2, espécie de pré-evento da festa. Dali, rumou para o que provavelmente é a maior feijoada em terras de Tio Sam: em um conhecido endereço do legítimo churrasco brasileiro em NY, artistas, produtores, imprensa e o staff do jornal novaiorquino The Brasilians, confraternizaram com muita caipirinha, feijão & pertences. Parte dos festejos, o tradicional almoço é uma iniciativa do jornal (publicação oficial da comunidade brasileira nos EUA), e tem comos hostesses o editor Edilberto Mendes e o publisher João de Barros, os diretores do BD. Naquela mesma noite, Gera Fornasa & Bandalheia ainda levaram seu classic rock ao palco do Zinc Bar. Instalado no coração do bairro boêmio do Brooklyn, a casa, tradicional palco de jazz e bossa nova, recebeu com entusiamo o quarteto, muito aplaudido por clientes de várias nacionalidades. Não longe dali, o lendário Blue Note ainda integraria a agenda novaiorquina de Gera, que não deixou passar a oportunidade de tomar um drinque e jantar no ... reduto de gigantes do blues e do jazz.
Chega o grande dia. Domingo ensolarado, com caravanas de brasileiros surgindo de todos os cantos e tingindo a cidade desde cedo com as cores de sua bandeira. O show será curto – 25 anos de grandes serviços prestados ao rock'n'roll traduzido em três canções extraídas do recente (e elogiado) disco acústico, em versão eletrificada, mais a inspirada releitura para "A Volta da Asa Branca", de Luiz Gonzaga - ponto para a Bandalheia, que tira da cartola um inspirado arranjo mezzo rock / mezzo baião para a canção não tão conhecida do grande Lua, cujo centenário foi tema do BD 2012. E após a tradicional corrente dos quatro músicos no backstage momentos antes de pisar o palco, é ela que abre os trabalhos. Com bandeiras de Urussanga e camisas do Criciúma pra reforçar a identidade, a Bandalheia dá a largada. O público não é o milhão de pessoas que logo mais ocupará o palco principal, mas quem se importa? Irresistível, poderoso, de bom gosto, o som da Bandalheia coloca para dançar quem está por ali. O carisma e o registro curtido a bourbon de Gera, as "estilingadas" de Birolo, a precisão de Bicudo das baquetas e os incríveis floreios de Duda nas guitarras extraem elogios até de norte-americanos (e olha que de rock eles entendem) invadem a rua 46. "Na Minha Porta" vem a seguir e atiça mais ainda o público. Ode ao estilo roqueiro de ser, a belíssima "Apenas Indo" prova que o rock é esperanto universal - gente de várias nacionalidades tenta cantarolar. O gran finale vem com os acordes da irresistivelmenre dançante "Garrafão", e a essa altura a festa está instalada. A Bandalheia deixa o palco, ovacionada, e sem esconder a emoção. Mas peraí: gran finale? Bem, quem estava lá tem a certeza de que este foi apenas o primeiro dia do resto da carreira internacional do grupo. Mais tarde, já relaxado, na área VIP do palco principal e em meio à confraternização geral de músicos e produçao do evento, é Gera quem resume a experiência: "Foi histórico. E muito gratificante. Tocamos em Nova York. Quantos milhões de bandas de rock no mundo todo começam e terminam suas carreiras sem conseguir esse feito"? É isso aí.
Texto by Carlos Oliveira, o Cadu, Jornalista acompanhou a banda em NYC.