Morreu nesse domingo (22), aos 83 anos, o cantor, músico e professor da Escola de Música da UFMG, Expedito Vianna. Considerado um dos grandes mestres da história do ensino da flauta, Vianna teve papel central na mudança de metodologias na área. O velório acontecerá a partir das 11h, no cemitério Parque da Colina, em Belo Horizonte. O enterro está previsto para as 16h. Segundo Maurício Freire, diretor da Escola de Música da UFMG e ex-aluno de Vianna, ele e outros discípulos e admiradores deverão tocar durante o enterro, numa última homenagem ao professor.
Expedito Vianna foi primeiro flautista da Orquestra Sinfônica de MG, de 1981 a 1988, e professor na UFMG, entre 1965 a 1992. Nascido em 1928, em Visconde do Rio Branco, Minas Gerais, sofreu influência de sua família, que tinha vocações musicais. Conforme registrou Fernando Pacífico Homem, em dissertação defendida na UFMG em 2005, sobre as contribuições do mestre, onze irmãos de Vianna estudaram música, tendo seis deles atuado como profissionais em orquestras.
Sua iniciação nos seus estudos no flautim foi aos sete anos e, ao se mudar para Belo Horizonte, em 1954, conseguiu ingressar na Orquestra Sinfônica da Polícia Militar. Quatro anos mais tarde, foi estudar em Salvador, nos Seminários Livres de Música. Retornou a Belo Horizonte em 1965, quando então prestou concurso para o cargo na UFMG.
Em nota divulgada ontem, sobre a morte do professor, a Associação Brasileira de Flautistas (Abraf) lembra que "Expedito desenvolveu um trabalho bastante diferenciado que, em parte, se deveu muito à sua aproximação com o canto. Fâ do tenor italiano Benamino Gigli, Expedito ficava impressionado com os harmônicos que surgiam da voz de Gigli, quando este mudava as vogais. Assim, movido por uma aguçada curiosidade e competência nata, pesquisou e estudou no canto os harmônicos provenientes da utilização das vogais. Com resultados satisfatórios, naturalmente aplicou sua pesquisa no cotidiano de seus estudos de flauta e também em suas aulas, diferenciando assim a qualidade da sonoridade de seus alunos."
"Não me lembro de ter aprendido ou visto isto em lugar nenhum. Acho que desenvolvi esta história das vogais ouvindo o tenor italiano Beniamino Gigli", confirmou o professor em 2004 na entrevista feita por Fernando Pacífico Homem para a dissertação de mestrado (leia a íntegra da entrevista no final da nota). Como registrou Fernando, as contribuições de Vianna continuam atuais, com suas práticas pedagógicas e técnicas sendo utilizadas por flautistas e professores ao redor do mundo.
A dissertação de Fernando P. Homem analisou quatro métodos propostos pelo mestre: "a alteração no timbre através da utilização das vogais, a aplicação dos estudos de sonoridade de Marcel Moyse no estudo de trechos difíceis do repertório, a solução de problemas técnicos através do reagrupamento de notas e o estudo de tonalidades baseado na transposição de melodias simples."
Segundo o professor Maurício Freire, Vianna sempre esteve à frente de seu tempo e suas pesquisas deixaram legado ao ensino de modo contundente. "Ele foi dos mais importantes mestres de flauta da história do país e hoje seus discípulos se encontram à frente de cadeiras desse instrumento em diversas universidades brasileiras, além de orquestras de qualidade", disse ao Portal da UFMG. "Junto a essas contribuições didáticas, a carreira artística de Expedito Vianna também o coloca como um dos mais importantes e influentes músicos junto a diversas gerações de flautistas brasileiros", acrescentou.
Conheça mais sobre Expedito Vianna na entrevista (questionário) concedida a Fernando Pacífico Homem, e publicada em 2005, em sua dissertação:
Flauta e voz humana
Discorra, por favor, sobre seus dados biográficos e sua formação musical.
Nasci em Visconde do Rio Branco MG, em 07 de outubro de 1928. Comecei meus estudos de música no flautim aos sete anos de idade com meu irmão Sebastião Vianna. Em 1954, mudei para Belo Horizonte onde ingressei na Orquestra da Polícia Militar. Depois de quatro anos na orquestra, fui estudar em Salvador BA, onde nos Seminários Livres de Música, um importante movimento musical se iniciava através das influências de Kollreuter. Nos Seminários estudei flauta com Armin Guttman, canto com Hilde Sinnek e matérias teóricas com Kollreuter.
Fiquei estudando na Bahia por dois anos e voltei para Belo Horizonte para fazer o curso superior no Conservatório, hoje Escola de Música da UFMG. Lá fui aluno do professor Fausto Assumpção. Terminei este curso em 1964 e fui convidado para voltar a Bahia como professor e flautista da orquestra dos Seminários Livres de Música. Fiquei só mais um ano lá e voltei para Belo Horizonte onde fiz concurso para professor da Escola de Música da UFMG. Fiquei neste cargo até me aposentar por problemas de saúde em 1992. Toquei também de 1981 a 1988, na Orquestra Sinfônica de Minas Gerais como primeira flauta e também lecionei na Fundação de Educação Artística. É o que consigo me lembrar.
Além do senhor havia outros músicos em sua família?
Sim. Minha mãe cantava no coro da igreja em Rio Branco. Onze irmãos estudaram música e seis se tornaram profissionais. Meu irmão Sebastião foi meu primeiro professor. Era um músico importante, além de flautista e maestro foi também revisor de Villa Lobos no Rio de Janeiro.
As técnicas do reagrupamento de notas e utilização das vogais para mudança de timbres foram passadas através de professores e publicações ou foram fruto de sua própria observação e pesquisa?
Não me lembro de ter aprendido ou visto isto em lugar nenhum. Acho que desenvolvi esta história das vogais ouvindo o tenor italiano Beniamino Gigli. Escutava ele cantando e ficava impressionado com os harmônicos que surgiam quando mudava as vogais. Comecei a estudar isto no canto e depois apliquei na flauta. Usava os agrupamentos para praticar diversos tipos de acentuações e ajudar nas quiálteras onde precisamos encaixar um grande número de notas com o mesmo valor em uma pulsação.
Raramente tocamos figuras com cinco ou sete notas. Esta prática ajudava na precisão do ritmo e também na agilidade. Preferia aplicar isto no repertório a ficar tocando aqueles estudos melódicos intermináveis. É melhor ter os solos de orquestra prontos para uma necessidade do que tocar todos estes estudos que não servem para muita coisa.
E sobre a aplicação dos exercícios de sonoridade de Marcel Moyse na solução de trechos difíceis? Foi pesquisa própria ou fruto de um aprendizado?
Quando conheci o método de sonoridade do Moyse gostei muito e resolvi traduzi-lo. Nunca tinha visto nada tão objetivo nesta questão da sonoridade que era o que na flauta mais me fascinava. Sempre achei que o maior problema da flauta era a sonoridade. Tenho os lábios muito finos e achava que isto me atrapalhava a ter um som grande. Por isso pesquisei muito neste sentido. Notei que era melhor estudar o repertório e aplicar os exercícios de Moyse nele do que ficar estudando aqueles estudos melódicos longos e cansativos de Andersen, Kohler, Gariboldi, e tantos outros.
Isto não resolvia muito para os trechos difíceis do repertório e até atrapalhava a musicalidade. Notei também que ao trabalhar os estudos de Moyse com os alunos, aplicando-os no repertório fazia eles tocarem melhor e despertava o interesse pela pesquisa.
E sobre o estudo de tonalidades baseado na transposição de melodias fáceis, houve alguma influência externa?
Meu irmão Sebastião gostava muito de me fazer tocar a mesma musica em outros tons. Dizia que era bom para a leitura e que na orquestra os cantores de ópera frequentemente pediam para abaixar ou subir a tonalidade. Quem não sabia fazer isto passava vergonha. Comecei a trabalhar isto com os alunos iniciantes usando melodias que eles conheciam e dominavam.
Era impressionante como eles tocavam com facilidade em tonalidades com muitos acidentes. Afinal tocar em Do Maior requer alguns movimentos de dedos mais difíceis do que um Fa Maior, que tem seis sustenidos na armadura. Notei que depois de algum tempo trabalhando assim, os alunos não se assustavam mais com as armaduras. Além disso, tinham mais interesse em estudar as escalas e arpejos. Ficava tudo mais musical e menos mecânico.
Entre os flautistas brasileiros de sua geração havia uma preocupação preponderante quanto à sonoridade?
Muita gente achava que a dificuldade da flauta era a agilidade. A flauta é por natureza um dos instrumentos mais ágeis. Por isso preferia trabalhar tudo através da sonoridade. Gostava muito do som do Ary Ferreira, mas não tive maior contato com ele. Ficava também impressionado com o Jean Noel Saghaard que tocava uma frase enorme sem respirar. Ele utilizava pouco ar para fazer o som. Nunca consegui fazer isto. Dos estrangeiros o que mais me encantou foi o Aurèle Nicolet.
O que fez o senhor despertar para a pesquisa de sonoridade na flauta?
Sempre gostei do canto e acho que a flauta se assemelha a voz humana em muitos aspectos.
Quais os métodos e publicações sobre sonoridade o senhor tinha disponíveis durante seus estudos e sua atuação?
Inicialmente tínhamos o Taffanel e Gaubert e os estudos melódicos de Andersen, Kohler, Gariboldi etc. Só muito tempo depois conheci a obra de Moyse e me interessei muito por ela. Conheci também o livro do Gustav Sheck e pouco antes de aposentar um aluno me deu uma cópia do livro do Galway.